Z DA QUESTÃO

fotos: daryan dornelles

Década de 1930. Em busca de uma identidade nacional, o Estado Novo de Getúlio Vergas, aliado às elites do país, encontra no samba dos morros cariocas a musicalidade perfeita para enaltecer um Brasil que se almeja moderno e industrial. Tornando-se símbolo máximo de brasilidade e unificador da nação, o samba deixa para trás suas restrições étnicas e religiosas, sai dos terreiros e passa a ser consumido por uma classe média emergente. Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo, Braguinha, Carmen Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Orlando Silva, Silvio Caldas, entre tantos outros, se tornam os grandes nomes da música popular brasileira de então. Curiosamente, todos elegantemente trajados e, em sua esmagadora maioria, brancos ou pardos. Num segundo momento, vê-se surgir na década de 50, em São Paulo, uma geração de compositores e intérpretes que, sem temer suas origens, fazem do samba sua matéria prima e com ele elaboram as mais incríveis e representativas crônicas da cidade. Contudo, Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini e Germano Mathias jamais chegaram a importunar a majestade de seus vizinhos cariocas. Nos anos 70, ainda se ouviria do poeta e compositor Vinícius de Mores a célebre sentença: “São Paulo é o túmulo do samba”. Mesmo que proferido em circunstância extremada – Vinícius defendia seu amigo Johnny Alf de uma descortês platéia paulistana – o comentário já deixava clara a importância que ganhou, ao longo do tempo, não só o samba, mas a cidade que inicialmente o fomentou e, acima de tudo, seu status dentro da cultura nacional.

Década de 2000. Em meio às fortes tensões do mercado fonográfico, surge em São Paulo uma geração de cantores e compositores que atualizam o gênero criado há décadas na cidade. Kiko Dinucci, Juçara Marçal, Douglas Germano, Rodrigo Campos e Romulo Fróes tornam-se as figuras de maior destaque desta cena e, dentre eles, Kiko mostra-se o mais prolifero. Flertando com sambas, batuques, macumbas, modas de viola, pós-punk e a onipresente vanguarda paulista, o músico já lançou cinco álbuns, quase todos em parceria: Padê (2007, com Juçara Marçal), Pastiche Nagô (2008, com o Bando Afromacarrônico), Retrato de Artista Quando Pede (2008, com Douglas Germano), Na Boca dos Outros (2010, com diversas participações especiais) e Metá Metá (2011, com Juçara Marçal e Thiago França). Em 2006, enveredou pelo audiovisual, produzindo o documentário Dança das Cabaças - Exu no Brasil. Atualmente, o músico se divide entre a turnê de seu último álbum, os preparativos para o lançamento de seu livro de quadrinhos chamado Cabeça de Homem e um novo projeto musical: Cortes Curtos.

De passagem pelo Rio de Janeiro, onde realizaram o show de lançamento do álbum Metá Metá, Kiko e Juçara foram responsáveis por uma das mais contundentes entrevistas do Banda Desenhada. Em meio a bolinhos de bacalhau e alguns chopes, a dupla falou sobre a sua carreira, o samba paulista, Itamar Assunpção e, claro, a derrocada da MPB:

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GINGA RAINHA

ilustração: márcio bulk | fotos de arícia mess: daryan dornelles
Mesmo que não tenha sido sua intenção, Arícia Mess tornou-se uma das artistas mais emblemáticas da música independente brasileira. Despontando na cena carioca dos anos 1990, a cantora foi sensação no circuito alternativo com o show “Super Legal”, onde trazia à baila uma nova safra de compositores, como Mathilda Kóvak, Pedro Luís e Suely Mesquita. Porém, mesmo com sua festejada estreia e sendo cortejada pela Sony Music e pela inglesa Acid Jazz, Arícia decidiu lançar seu primeiro álbum, Cabeça Coração, de forma independente. Em um momento em que a internet ainda dava seus primeiros passos e as majors dominavam não só o mercado, mas também os meios de comunicação, sua escolha foi, no mínimo, ousada. O álbum saiu primeiro no Japão, pela Nippon Crown, em março de 2000, sendo posteriormente lançado no Brasil pela Orbita Music, gravadora de seu produtor Carlos Trilha. Em 2002, a cantora novamente deu mostras de seu caráter vanguardista ao se mudar para São Paulo, cidade que, anos depois, tornou-se o grande celeiro da música contemporânea brasileira. Entretanto, foram necessários quase dez anos de gestação para que seu aguardado segundo álbum fosse lançado. Em Onde Mora o Segredo, Arícia voltou a flertar com as suas principais referências – a black music e a MPB – e iniciou um saudável diálogo com uma nova geração de artistas.
Sendo figura ativa neste momento de transição da indústria cultural, Arícia nos recebeu para uma entrevista no estúdio de seu produtor, Carlos Trilha, no bairro do Humaitá (RJ). A cantora nos falou a respeito de sua carreira, o mercado fonográfico e o contato que vem travando com os novos nomes da MPB.

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O samba, a prontidão e outras bossas


fotos: daryan donelles

Se pudéssemos sistematizar toda a cena carioca dos últimos 20 anos, veríamos, com certa boa vontade, dois elementos fundamentais que, de um modo ou de outro, estiveram presentes em boa parte da produção deste período: o samba funk setentista de Jorge Bem Jor, Tim Maia e Banda Black Rio; e o multicolorido e performático BRock. Mesmo com o aparecimento na década de 1990 de uma nova geração de cantoras, como Cássia Eller, Marisa Monte e Fernanda Abreu, e grupos de rap e reggae como Cidade Negra, Planet Hemp e O Rappa, era ainda possível perceber em maior ou menor grau a influência destas duas escolas. Assim também se sucedeu na década posterior, com o surgimento, em 2002, da Orquestra Imperial. As festas promovidas pela trupe, ao mesmo tempo que remetiam às gafieiras e aos bailes black de Messiê Limá & Cia, em muito lembravam as transloucadas apresentações de bandas como Blitz, Kid Abelha e Paralamas do Sucesso no seminal Circo Voador, no início da década de 1980. Em meio a esta atmosfera, Kassin, Domenico, Moreno Veloso, Pedro Sá, Rubinho Jacobina, Thalma de Freitas, Nina Becker e demais músicos acabariam por gerar em grande parte o que hoje se denomina Nova MPB. E, entre tantos, ninguém melhor condensou estas duas alas da música carioca que Rubinho. As canções de seu primeiro álbum “Rubinho Jacobina e A Força Bruta” (2005), mesmo flertando com diversos gêneros, remetiam a quase todo instante ao debochado “rock de bermuda”, enquanto baixo e guitarras as impulsionavam a um inacreditável samba funk, criando a sonoridade que melhor representaria a sua geração.
Prestes a lançar o seu segundo álbum “Onde moras?”, Rubinho aceitou participar do Banda Desenhada, nos encontrando no centenário Café Lamas, no Flamengo (RJ). Ali, o músico falou sobre a sua carreira, processo de criação e relacionamento com a Neo MPB:

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